REGIÃO DE LAFÕES



O que eu vejo da minha janela



Da minha janela eu vejo
Lindas noites de luar
Enfeitadas com estrelas
E de aviões a passar.

Vejo prados verdes
Outros quase a secar
Vejo cabras e ovelhas
Nesses campos a pastar.

Vejo vacas turinas
Outras amarelas douradas
Éguas e cavalos de montaria
Gansos e patos a grasnarem.

Vejo um canil
Uma obra de louvar
Feito pela Clara Simões
Para os 49 cães abandonados ela recuperar.

Vejo no meu quintal
Os meus amigos de estimação
As minhas três lindas cadelas
E o meu amigo cão.

Vejo uma paisagem deslumbrante
Que me apraz recordar
O baloiçar dos passarinhos
Nas árvores a chilrear.

Vejo jardins floridos
Com as mais variadas flores
Com seu perfume próprio
Para encantar os amores.


Vejo casas de granito
Com chaminés a fumegar
Calçadas à moda antiga
Onde só um carro pode passar.

Vejo montes e vales
Pinheiros a ornamentar
E mimosas floridas
Para o Carnaval enfeitar.


Vejo árvores de fruto
Que regalam o olhar
Frutos doces como mel
Que satisfazem o paladar.

Vejo a torre da igreja
Com o relógio a funcionar
Para quem anda nas terras
Saber as horas do jantar.

Vejo as alminhas
Património secular
Como as ruínas do Castelo
Com uma história para contar.


E quando mudar a estação
Mais eu terei que contar
Desta pequena povoação
Onde eu estou habitar.

Paços de Vilharigues
Um nome a fixar
Uma terra sossegada
Com ar puro para respirar.


              Maria Amélia Vieira da Cruz Costa

“ Viagens por Terras de Lafões “



Este foi o tema escolhido para o concurso literário do Centro de Novas Oportunidades (CNO) da Martifer.
Este concurso foi promovido no âmbito do dia «Dia da Freguesia» com uma exposição no átrio do Cine – Teatro Dr. Morgado em Oliveira de Frades no dia 21 de Maio de 2011. Teve lugar a Poesia, o Conto e a fotografia a (preto e branco/cores). Sendo o meu conto o escolhido nos 25 que concorreram, concorrendo mais 18 com poesia e 8 com fotografia a preto e branco e a cores 44 concorrentes.
Tive a oportunidade de ter concluído o 12.º e Apesar de eu já contar com 58 anos foi uma mais valia para mim, Porque estamos sempre aprender e a valorizar-nos.
 Foi leccionado na liga dos Amigos de Vilharigues, em Paços de Vilharigues.
Um Grande Obrigado a todos os intervenientes nesta acção.


       Maria Amélia Vieira da Cruz Costa

“ -.-.-.-.-+.+.+.Encantos de Lafões”
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Numa tarde de Verão, num dia do mês de Agosto em que a temperatura rondava os 30 graus, resolvi pegar no meu neto que estava cá de férias vindo de Portimão e ir até Vouzela.
Ao chegar a Vouzela, estacionei o carro no largo Morais Carvalho. O meu neto logo me perguntou, com a curiosidade de quem quer saber tudo, próprio dos seus seis anitos:
- Avó, que estátua é aquela? Quem é o senhor?
- Aquele senhor foi um homem ilustre, um senhor que foi advogado e político e fizeram-lhe esta estátua em pedra com sete metros de altura para que nunca fosse esquecido, ainda deram o nome dele à praça que é Praça Morais de Carvalho. – Respondi.
Mal acabei de lhe responder logo ele me fez outra pergunta:
- Avó e aqui dentro o que é?
- Ah! Aqui é o museu, mas antigamente foi os Paços do Conselho.
- Podemos entrar?
- É claro que podes e deves.
Então entrámos e admirámos uma exposição de pintura a óleo em tela com paisagens da nossa região, voltámos de novo a rever as paisagens, aquela pintura estava lindíssima, tinha lá o cartão de visitas e deixámos lá a nossa assinatura. Na saída perguntei:
- Gostaste Hugo?
- Eu gostei muito avó, a senhora que pintou, pinta muito bem. Quando eu for maior quero pintar assim!
 - Sabes que a avó também gosta de pintar? Sabes que a pintora é da terra onde vive a avó?
- É mesmo verdade?
- É claro, a avó não mente!
- Então onde é a casa dela?
- Sossega que quando formos embora, eu vou mostrar-te!
- E como se chama ela?
- É Dª Maria Correia, e é professora.
Continuámos o caminho, mas mesmo ali encontrámos uma capela, tinha a porta fechada mas vimos o seu interior pela janelita, na sua fachada tinha a imagem de São Frei Gil.
- Mas quem era? - Perguntou o Hugo.
- Era um senhor bom que andou a estudar para médico na Universidade de Coimbra, mas depois foi para a igreja e foi Beato, mas era tão bom homem, que diziam que era Santo e o povo mandou construir esta capela para guardar as relíquias do seu corpo, que sabes o que era? Adivinha!
- Não sei, não sei, diz lá avó!
- Olha, é o maxilar inferior!
- Não acredito, avó no que tu me dizes.
- Já sabes que podes acreditar porque a avó já tem dito que não fala mentiras!
- Então diz-me quem te disse!
- A avó leu e ficou a saber.
- Olha avó, até me apetece ir para a escola aprender a ler, para saber essas coisas todas.
- Já falta pouco. Como te ia a contar o São Frei Gil ficou como Padroeiro de Vouzela e fazem-lhe uma festa no dia 14 de Maio. Dizem que a capela é do Século XVII e que é do estilo Barroco, mas tu ainda não entendes estas coisas, mas um dia quando fores maior, tu vais entender.
Com uma corrida pela calçada a caminho da Fonte da Nogueira, o Hugo reparou numa formosa trepadeira, com grandes troncos de maturidade e disse:        - Ó avó, é muito velha esta trepadeira não é?
- Pois é – respondi - esta casa é do Sr. Dr. Simões, que também é da terra onde vive avó!
- Ei, então lá na tua terra há muitas pessoas espertas!
- Estudaram, meu netinho, para o serem e tu também tens que estudar, para seres como essas pessoas.
Mal deu uma reviravolta deparou-se com uma enorme casa de pedra.         - Avó, e aquilo o que é?
- É uma casa com Brasão, pertenceu aos Távoras, que era uma família rica e que andava a ser perseguida e fugiu para cá.
- Por que andavam a persegui-los?
- Isso não sei!
- Mas sempre houve homens bons e maus, seriam alguns maus. Ufa sempre chegámos à Fonte da Nogueira, ou Fonte de D. Luís, porque bem se pode observar aqui numa pedra as armas de D. Luís.
Sentámo-nos a descansar e a matar a sede que trazíamos e sobretudo a admirar a beleza e o sossego que aquele cantinho contém. Ali corria um puro ar fresco que as águas do rio Zela, que passa debaixo de uma pequena ponte, deixavam na sua passagem; nas suas margens, muito arvoredo e bandos de patos e patinhos, deixaram o Hugo por momentos sem perguntas.
- Temos que ir embora. – Disse.
- Ó avó deixa-me descansar mais um pouco.
Para sairmos dali foi complicado, só com a promessa de irmos comprar um gelado ao bar que fica no jardim.
Já a saborearmos o nosso gelado e sentados à sombra  das frondosas árvores que lá existem, vimos chegar o comboio turístico. Que já tinha percorrido alguns dos locais mais bonitos de Vouzela, como a Senhora do Castelo e tantos outros. Dele saiu um casal aí de uns cinquenta anos que se dirigiu para nós e perguntou se poderiam sentar-se no nosso banco. Eu respondi que sim, que estivessem à vontade.
Dali era bem visível, a escassos metros de nós, a grande obra de arte manual que os grandes homens de outrora ergueram e que simboliza Vouzela ou não seja ela a Ponte do Caminho-de-ferro. O casal admirava-a e tiravam-lhe fotos para recordação. Estavam encantados com a beleza já vista. Comecei por lhe indicar a que se diz ser a jóia mais preciosa, que é a Igreja Matriz, consagrada a Nossa Senhora da Assunção, que ficava mesmo ali ao lado. Começámos por subir à ponte, na entrada estava a antiga máquina do comboio, sendo ela o centro das atenções do meu neto principalmente, que até lá quis entrar para melhor investigar. Fomos por cima da ponte onde outrora circulava o comboio e a vista era magnífica. Avistámos logo a Câmara Municipal, as Piscinas cobertas, todo o jardim, o de cima e o de baixo onde tem os baloiços e o escorrega, o rio, a Fonte da Nogueira, enfim quase toda a vista parcial da vila. No regresso ainda fomos ver a antiga estação do caminho-de-ferro, que agora está diferente, é um centro de camionagem com um bar.
As horas passaram sem darmos por isso, mas ainda voltámos ao ponto de partida que foi no nosso banco do jardim. Eu com a ânsia de mostrar a beleza que nos rodeava e eles com admiração na descoberta, nem nos apresentámos. Só quando realmente nos sentámos é que acabámos por pedir desculpa em simultâneo pelo facto de ter havido um lapso em não nos termos apresentado. A senhora disse que eram da Gafanha da Nazaré e estavam no Parque de Campismo de Vouzela, que se chamava Opalina e o marido Maurício. Eu e o meu neto sorrimos porque aqueles nomes são invulgares e até disse:
- Tem piada porque Opalina é parecido com nome de tecido, antigamente usava-se um tecido para confeccionar os vestidos às meninas e chamava – se Popelina, eu sei porque trabalhei muito em costura.
Só então é que eu me apresentei:
- Eu chamo-me Amélia e olhem que fui criada em Ílhavo, pertencemos ao mesmo concelho.
 Não foi preciso apresentar o Hugo, porque ele apresentou-se primeiro que nós. Arranjámos uma amizade e nem chegava a pressa em terminar a conversa e ainda voltámos à conversa anterior, falando agora das Termas de São Pedro do Sul, que são umas das melhores do País, que podiam visitar as aldeias típicas da Pena e do Fujaco, fazer uma visita à cidade de S. Pedro do Sul e passar uns belos momentos à sombra no Lenteiro do Rio. Poderiam apreciar a beleza dos loendros em Cambarinho, mas só no mês de Maio é que estão floridos e ainda visitar Oliveira de Frades e ver a praia fluvial de Sejães, a Anta pintada e o Dólmen de Antelas, a Serra do Ladário, os Solares em Fornelo e tanta maravilha a descobrir. Ainda lhes disse que Oliveira de Frades é uma vila em franco desenvolvimento com uma enorme zona industrial, uma das empresas é a Martifer, a impulsionadora das energias renováveis: eólicas e as solares e que tem levado o nome de Portugal ao Mundo, para bem do nosso Planeta.
Acabei por me despedir, dizendo que estavam a ser horas de eu ir tratar do jantar.
- Ah! Mas já que falei em jantar, passo ainda a recomendar que não acabem as férias sem provarem a sopa seca, a vitela assada no forno à moda de Lafões e como sobremesa os pastéis e folar de Vouzela.
Dissemos uns aos outros que gostámos de nos termos conhecido e eles agradeceram a minha amabilidade em apresentar um pouco do belo que esta região tem.
- Um adeus, até um dia e boas férias.
 Voltámos para casa conforme viemos, só que o meu netinho já dizia:
- Avó, eu não gostei nada daquele nome, da Sr.ª Opalina.
Dava-se em rir que me fazia rir a mim.
- Olha, estou-me a rir porque o nome dela faz-me rir – dizia ele – mas estou chateado contigo, andávamos tão bem os dois sozinhos, tu já só falavas para eles.
- Está bem, até tens razão, para a próxima voltamos mas não falamos a ninguém, fazemos de conta que somos mudos.
- Está bem, retorquiu o “manias”, como às vezes lhe chamo, por mera brincadeira.
Ao entrar na povoação, lembrou-me logo que queria ver a pintora, porque eu prometera! Já íamos perto de casa dela e parámos, tocámos à campainha, mas ela não estava, ele ficou com pena, porque queria dizer-lhe que gostou da pintura das telas. No caminho dizia:
- Viste avó, a cor da casa dela é lilás, é bonita e o jardim estava cheio de flores, foi pena gostava de a ver. Ela também deve ser bonita!
- Pois é! - Respondi eu.
Ao chegar a casa contou logo ao avô as coisas que a avó sabe e lhe contou, do santinho que tinham guardado na capela uma relíquia dele e que era o maxilar de baixo, ou seja inferior, o avô só ria e dizia:
- A tua avó concerteza estragou-te o sono esta noite!
Dormiu bem e no outro dia estava pronto para a aventura com a avó. Fomos para a praia fluvial em Cambra, mas o calor estava ofegante e o arvoredo era pouco, resolvemos ir até Campia à praia fluvial de Porto Várzea, deitámo-nos na manta, debaixo de grandes árvores, jogámos às cartas, ao burro e depois foi andar no escorrega e nos baloiços até que arranjou amizades e andou o tempo todo na água, com os novos amigos, ainda comeu o gelado, mas querer vir embora, não queria. Então disse-lhe:
- Menino manias, vamos ao cemitério e à igreja de Campia ver o São Miguel, a matar o diabo!
- Ó vó, diz outra vez…
- Não digo. Vamos embora.
Logo se vestiu e toca andar que se faz tarde. Fomos então ver a igreja que é muito bonita e o cemitério, só no final é que lhe mostrei o São Miguel a matar o diabo, ficou parado, perplexo a olhar para aquilo, o que pensaria não sei, só ao chegar a casa foi de novo contar ao avô. O avô chamou-o para lhe segredar ao ouvido, mas eu disse logo:
- Nada de segredar!
- Olha avó, para a próxima o avô também quer ir e vai mostrar-me o São Macário e a casinha dele.
 Entretanto chegou o fim de semana, e fomos ao passeio que prometera o avô ao Hugo, levámos comer e fizemos um piquenique num parque de merendas, descansámos um bocado depois de almoço no carro a ouvir música e depois continuámos o nosso passeio, em todo o redor avistavam-se serras, ventoinhas eólicas que faziam muito barulho e o tão falado São Macário, tinha lá uma capelinha e uma casita que teria sido a dele.
O Hugo não estava a gostar, só dizia:
- Coitado, que casa! São só pedritas…
Lá continuámos a viagem até à aldeia da Pena.
- Fica lá no fundo! - Dizia o Hugo.
 Estava todo admirado com tal aldeia. As casas são feitas de pedra e os telhados de xisto e todas do mesmo estilo, as pessoas são muito poucas, tem uma capela e um cemitério pequenino, tem um restaurante de um casal de emigrantes, que se quis estabelecer ali, as crianças que lá existem são desse casal, tem artesanato feito por uma senhora que deixou Lisboa para vir desfrutar do sossego daquela que era a sua terra e o marido cuida das abelhas para lhes extrair o mel para o lá vender. Têm por lá gado caprino também, o Hugo já se ajeitava a ser pastor, pois corria atrás das cabritas. Conta-se que nos tempos antigos, na aldeia da Pena, o morto matou o vivo porque o caminho para o cemitério era tão estreito e tão mau caminho que o homem que levava o morto caiu com o caixão e morreu. Então ficou a terra onde o morto matou o vivo.
 Voltámos de novo a S. Pedro do Sul para saborear um gelado no Lenteiro do Rio e descansar um pouco para dar por terminado o passeio.
Entretanto acabaram as férias do Hugo e a vida voltou ao normal. Aqui ao lado de minha casa, a cerca de uns trinta metros, faziam o restauro de uma casa degredada, que uns senhores tinham comprado para passarem as suas férias. Como trabalho, nunca vi quem eram essas pessoas, só quando já tinham a casa pronta e começaram a vir aos fins-de-semana é que eu os vi e fiquei muito admirada, como o mundo é pequeno! Os meus vizinhos de fins-de-semana eram: o Sr. Maurício e a D. Opalina. Fui cumprimentá-los e dar-lhes as boas vindas, eles também ficaram surpresos de me voltar a encontrar como vizinha deles. «Casualidades da vida», pensei eu. No nosso encontro nem lhes cheguei a falar que eu vivia em Vilharigues e que existia cá umas ruínas do Castelo, onde viveu Dom Duarte de Almeida “O Decepado” que na batalha de Toro perdeu um braço e com firmeza segurou a bandeira na outra mão, acabando por perder os dois e ter de a segurar com a boca.
- Estou cada vez mais encantada com estas terras de beleza e história e a D. Amélia vai ajudar-me a descobrir a região de Lafões que ainda não conheço. - Disse D. Opalina.




( publicado em 25.02.2012  tal como nos foi enviado )


26/4/2010 A MAIS PLAUSIVEL ORIGEM DO NOME LAFÕES


A mais plausível origem do nome Lafões

 * António Bica


Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo nasceu na freguesia de Gradiz, concelho de Aguiar da Beira, em 1744. Foi pregador, director do Colégio da Lapa e dedicou-se a investigar o que então se chamava antiguidades.
Entre muitos trabalhos escreveu o «Elucidário das Palavras, Termos e Frases que em Portugal Antigamente se usaram.»
Este trabalho foi editado em dois volumes em 1798 e 1989; reeditado em 1865 por Inocêncio Francisco da Silva, com acrescentos; editado de novo em dois volumes em 1965 e 1966, por Mário Fiúza, de Viseu, por incentivo de Manuel de Paiva Boléu, Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Consultou Mário Fiúza, para o trabalho, os muitos manuscritos de Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo que se guardam na Biblioteca Municipal de Viseu.
No primeiro volume do referido Elucidário, escreveu Viterbo, na entrada ALAHOVEINIS, Alahoem e Alaphoen:
A Terra de Lafões, no bispado de Viseu. Na II parte da Bened. Lusit., trat. I, cap. VII, está a doação de Sancho Ortiz, feita no ano de 865, dizendo nela que seu irmão Paio Ortiz lhe dera a vila de Ortiz  pro parte mea de Mosteiro S. Christophori de Alafoins Ordinis Nigrorum S. Benedicti. Quando este documento fora legítimo, diríamos que sobre as ruínas do primeiro fundou João Peculiar o segundo mosteiro e ficaríamos certos que já no século IX se chamava Alafões esta porção do bispado de Viseu. No (ano) de 1070, Ximena Garcia fez doação a Alvito Sandezi da oitava parte da Igreja de Santa Maria de Várzea in território Alahoveinis e se moveu a isto pro que liberasti me de manu de Joanne Arias, qui me volebat concubare sine mea voluntate. Feita a carta no 1º de Maio. E.U. C. VIII. Regnante Adfonsus Princeps in Galicia, in Bracara Petrus  Episcopus in Colimbria Sisnandus Alvazir. Mandante Alahoveinis Piniolo Garcias.
O sacerdote Sindêa a escreveu e assinou na forma que se acha. Tab. I, nº 4. Assim se acha neste e noutros documentos de Arouca; do segundo e terceiro modo nos de Pedroso e do quarto em um de Tomar de 1169.
Daqui se mostra ser arbitrária a etimologia que Bernardo Brito, no II tomo de Monarquia Lusitana, cap. XXVIII, quis dar ao nome de Alafões dizendo que conquistando el-rei D. Fernando I, chamado a Magno, a cidade de Viseu, o seu governador mouro se fez cristão. Então o rei católico lhe consignou terras para a sua subsistência, entre as quais se compreendiam as que hoje fazem o concelho de Lafões, que tomaram este nome do tal mouro chamado Alahun. Não faz Brito mais fiador que a sua palavra e contudo achou sequazes dentro e fora do reino. Mas isto parece não ter fundamento, porque se de nomes que têm alguma semelhança havemos de buscar as etimologias de outros nomes. Muito antes da conquista de Viseu (que os nossos cronicões datam no ano de 1058 e Florez demonstra que foi no ano de 1057) lemos em uma doação do mosteiro de Cete, que hoje se acha no colégio da Graça de Coimbra, que, entre muitas testemunhas, nela assinaram no (ano) de 985, Alafun Augadiz.
E não parece verosímil que, havendo entre nós cristãos chamados Alafum, no século X, quase um século depois, tomasse aquela o nome de um mouro. Além disto, aquela terra não estava antes sem nome. Se mudou por honra do seu novo possuidor, que nos digam como dantes se chamava. Vimos acima o seu nome no (ano) de 1070; nos documentos de Pedroso se faz menção dela em outros mais antigos; então, em menos de dez anos, se fundaram igrejas e se mudaram inteiramente os nomes?

Em o Vocabulário Português de Origem Árabe, José Pedro Machado, na entrada Lafões, escreveu:
Do dual árabe «os dois irmãos»; segundo D(avid) L(opes) (em Revue Hispanique, IX, p. 15, e na R. Lus, 24º, p. 258), seria o «nome dado a dois castelos fronteiros perto de Viseu.» Em 1002 Alaphon (Dipl., p. 116), em 1064 Alafoens (Dipl, p. 274). O nome Lafão, na Beira Alta, talvez tenha sido deduzido de Lafões.

A origem do nome Lafões congeminada por Bernardo de Brito no século 17 a partir do derrotado governador mouro de Viseu, no século 11, pelo rei Fernando Magno não pode ser verdadeira como bem nota Viterbo.
A origem hipotizada pelo arabista David Lopes nas revistas Revue Hispanique e Revista Lusitana não é apoiada em documento, assentando no pressuposto de que no hoje chamado Monte do Castelo e certamente no monte vizinho chamado Monte Lafão haveria dois castelos, o que não corresponde à verdade por no Monte Lafão não haver sinais de ter nele havido tal construção nem em outro lugar próximo do Monte do Castelo, monte em que existiu um castelo como é atestado pelo nome (Monte do Castelo) e por documentos medievais.
A hipótese de David Lopes assenta no carácter aparentemente plural do nome Lafões, que corresponderia aos dois castelos.
Por sua vez José Pedro Machado considera que o nome Lafão (monte Lafão) terá sido deduzido de Lafões.

Não sendo convincentes estas explicações, talvez se deva procurar outra para o nome Lafões, que nos documentos medievais foi grafado de diversos modos pelos que os escreveram.
No volume XI da História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII e XV, de Henrique da Gama Barros, 2ª edição dirigida por Torquato de Sousa Soares, paginas 221 e seguintes, sob a nota Alaphoen, Alahobeines, Alahouem, etc. (Alafões ou Lafões), consta a indicação de documentos medievais transcritos em Portugaliae Monumenta Historica com as respectivas datas e transcrições parciais. São:
Documento 190, ano 1002, transcrição parcial: Villa Cercosa subtus mons gabro discurrente rivulo cambar territorio alaphoen. Em português: Vila (povoado agrícola) de Cercosa (da freguesia de Campia), junto ao monte Gabro (hoje Serra do Ladário, mantendo-se o nome Gabro no topónimo Paredes de Gravo), águas vertentes para o rio Cambar (hoje rio Alfusqueiro), no território de Lafões.
[A versão em português e as notas entre parênteses são do autor deste texto].
Documento 268, ano 1030, transcrição parcial: ereditatem ... in território Alahobeinis subtus monte fuste discorrente ribulo bairoso et ave jacentia in fikeirosa. Em português: propriedade rural no território de Lafões junto ao monte (talvez da Gralheira), águas vertentes para o rio Varosa, em Figueirosa.
Documento 442, ano 1064, transcrição parcial: in villa sagadanes subtus monte fuste territorio Alafoens discurrente rivulo vauca. Em português: na vila (povoado agrícola) de Segadães junto ao monte (talvez da Gralheira), águas vertentes para o rio Vouga.
Documento 490, ano 1070, transcrição parcial: do tibi octaba de eclesia vocabulo sancta marie de varzena qui est fundata in territorio alahoveinis discurrente ribulo Vouga. Em português: dou-te a oitava parte da Igreja de Santa Maria de Várzea, águas vertentes para o rio Vouga.
Documento 621, ano 1083, transcrição parcial: in villa quos vocitant vaucella subtus mons aguto territorio alahouene discurrente rivulo vauga. Em português: na vila (povoado agrícola) que chamam Vouzela, junto ao monte (talvez do Castelo), no território de Lafões.
Documento 640, ano 1083, transcrição parcial: eclesia que vocatur sancti petri in terra alahueni. Em português: Igreja que se chama São Pedro (do Sul) na terra de Lafões.
Documento 774, ano 1092. Transcrição parcial: in villa quos vocitant sancta cruce territorium alafouenes subtus mons fuste discurrentem rivulo ibaroso. Em português: na vila (povoado agrícola) que chamam Santa Cruz (da Trapa) junto ao monte (talvez da Gralheira), águas vertentes para o rio Varosa.
Documento 789, ano 1092. Transcrição parcial: et abe jacentia ipsa ereditate in terra de alafoeis ... in vila que dicent sacti vicenti ... discorrente ribolo vauca. Em português: e situa-se essa propriedade rústica na terra de Lafões, na vila (povoado agrícola) que chamam São Vicente (de Lafões), águas vertentes para o rio Vouga.
Documento 875, ano 1098. Transcrição parcial: in villa abanatus subtus mons fuste discurrente ribulo barroso, território alahoen. Em português: na vila (povoado agrícola) de Abados junto ao monte (talvez da Gralheira), águas vertentes para o rio Varosa, no território de Lafões.
Documento 888, ano 1098. Transcrição parcial: in villa quos nunccupant iban ordonis suptus montis fuste discurrente rivulo sur, territorio alahouen. Em português: na vila (povoado agrícola) que chamam Bordonhos junto ao monte (talvez Gralheira), águas vertentes para o rio Sul, no território de Lafões.

De acordo com estes documentos é justa a crítica de Viterbo a Bernardo de Brito, tendo em conta que a data da conquista de Viseu aos mouros é posterior à de documentos de que consta que a terra de Lafões assim se chamava antes de tal conquista, mesmo que tivesse sido doada a terra ao alcaide mouro derrotado, ou que tal alcaide se tivesse chamado Alafun, o que não consta de nenhum documento.
A última sílaba do nome Lafões, aparentemente no plural, impressionou David Lopes, o que o levou a conjecturar que deriva da palavra árabe que significa “dois irmãos”. Por sua vez José Pedro Machado considera que Lafão (nome do monte a nascente do Monte do Castelo) derivará de Lafões.
Nem um nem outro parecem ter razão nas suas conjecturas que são hipóteses explicativas não alicerçadas em documentos.

Não havendo documento em que se possa alicerçar a origem do nome Lafões, o mais razoável é que, constituindo o hoje chamado Monte do Castelo, sobranceiro a Vouzela, e o monte Lafão uma unidade orográfica com dois cabeços muito próximos, ela fosse designada pelo povo que habitava a região no tempo anterior à conquista romana por nome que os romanos terão alatinado para Lafo. Quem sabe (muito ou pouco) de latim conhece que nessa língua para se dizer que algo era do (monte) Lafo se dizia Lafonis (o que significa, em português, do Lafão), palavra (Lafonis) que corresponde, segundo a gramática latina, ao genitivo de Lafo.
As palavras portuguesas derivadas do latim, que são a generalidade, correspondem à variação da palavra latina que indica o objecto da acção corresponde ao verbo, variação que é designada no latim por “acusativo”. O acusativo de Lafo é Lafonem.
Por isso o nome Lafo em latim passou em português a Lafão.

Com as invasões bárbaras, no século quinto, em Portugal, que puseram fim ao Império Romano, cada região foi dominada por um Senhor que procurava defendê-la de outros cubiçosos dela por castelo que construía, em regra em sítio elevado. No caso desta terra hoje conhecida por Lafões que corresponde ao Vale Médio do Vouga foi construído castelo no cabeço ocidental da unidade orográfica que se designava Lafo no latim que então se falava e veio a evoluir para Lafão na língua que hoje falamos.
Porque esse castelo se situava no monte Lafo (em latim) passou a ser designado por Castellum Lafonis que corresponde em português a castelo do Lafão. Porque era o centro militar e então consequentemente administrativo da terra do vale médio do Vouga, passou a dar o seu nome à região que assim, em latim, se passou a chamar terra do Castellum Lafonis e com o tempo apenas terra Lafonis, que veio a evoluir para terra de Lafões em português. Assim o nome da terra de Lafões veio a derivar do “genitivo” de Lafo e não do “acusativo” como derivou, segundo a regra, o nome do monte Lafão.
Quando os mouros conquistaram o vale médio do Vouga já a região do vale médio do Vouga era designada por terra de Lafões e assim continuou até hoje.
Porque o castelo foi construído no cabeço situado a poente da unidade orográfica designada Lafo (em português Lafão), o nome desse cabeço passou a designar-se Monte do Castelo como ainda hoje se chama, perdendo o nome original de Lafão, e tendo o cabeço situado a nascente onde nunca houve nenhum castelo, mantido o nome Lafão, como actualmente se designa.
Esta é a origem mais provável do nome Lafões por que é conhecida a região do vale médio do Vouga, resultando o nome Lafões de Lafão e não este daquele como proposto por José Pedro Machado.






PATRIMÓNIO CULTURAL DO CONCELHO DE VOUZELA


Vouzela é terra muito antiga, onde se encontram abundantes testemunhos do seu rico historial.
A jóia mais preciosa do seu património histórico é a IGREJA MATRIZ, consagrada a Nossa Senhora da Assunção.


Documentos do século XI falam de um mosteiro -"monasterium" - ou basílica - "baseliga" - existente em Vouzela: "...Christus Domnis inuictissimis sanctisque martiribus ac triumphatoribus santorum martirum sancta maria et sancti Saluatoris et sancti michael archangeli cuius baseliga fundata est in uilla quos uocitant uaucella subtus mons aguto (Castelo) territorio alahouene (Lafões) discurrente ribulo uauga . Obinde ego famulus dei daui et matrona et cidi quasi frater indignum et peccatorem damus et concedimus..."45. Segue-se a descrição dos bens doados. O documento é datado de 1083.
Documentos pouco posteriores voltam a referir-se ao mosteiro de Vouzela. Entre eles, um de 1113, em que se lê: "nos omnes neptos et neptas de Cidi Davidz de illo monasterio de Vauzela"46. Por estes documentos se deduz que este Cidi Davi deve ter sido o fundador do mosteiro.
No século XIII, os termos "monasterio" e "baseliga" desaparecem e, em sua substituição, aparece sempre o termo "ecclesia", o que se deve à instituição das paróquias. Nas Inquirições de D. Afonso III (1258), um jurado, interrogado sobre o padroado da Igreja de Vouzela "dixit, quod illi, qui descendunt ex progenie de Zidyelo et de Domno Davy, sunt patroni, et presentaverunt eidem eclesie"47.
Quer se lhe chame "baseliga" (1083), "monasterio" (1113) ou "eclesia"(1258), a igreja mantém-se sempre na família daquele Domno Davi, o que nos fornece dados importantes sobre a origem da actual Igreja Matriz de Vouzela. Obras nela operadas, em diversas épocas, introduziram-lhe algumas alterações, mantendo-se, contudo, as características estruturais48.
É um magnífico templo, classificado como "Monumento Nacional", por Decreto n.º 8.216, de 29 de Junho de 1922.
A encimar o portal gótico e no florão central da abóbada da igreja está o brasão de armas dos Almeidas e, no muro lateral esquerdo, uma inscrição que assinala o túmulo de Fernão Lopes de Almeida e sua mulher.
Eram os Almeidas senhores da CASA DA CAVALARIA. Nas Inquirições de D. Afonso III (1258) se lê que, em Vouzela, existia "unam caballariam forariam Regis"49. Não se tratava de cavalarias de fidalgos, mas de cavalarias de origem popular, vulgares na Beira, simples quintas destinadas à manutenção de gente militar. Isso mesmo se vê nas Inquirições de 1288, que mais não fazem que confirmar as anteriores: "no loguar que chamã vouzela ha hua Cavalarya Dom?es lavradores que he Cavallarya del Rey".
Tudo leva a crer que aquele Domno Davi, cavaleiro-vilão e fundador da igreja, estava à frente da cavalaria vouzelense. A cavalaria de Vouzela acaba por passar de vilã a fidalga, sem que se saiba exactamente quando. Sabe-se, porém, que, em meados do século XIV, estava na posse de fidalgos, pois, em 15 de Outubro de 1358, foram confirmados a Gonçalo Mendes de Vasconcelos, alcaide-mor de Coimbra, privilégios que a propriedade já tinha50. Nesta família se conservou até que, em 1497, foi vendida a Fernão Lopes de Almeida, com licença régia e confirmação dos privilégios antigos: "Dom manuel rei (...) pedindo-me o dito fernam lopez que por quanto elle per nosso prazer e consentimentos comprara a dita quintaã de cavalaria a dom Joham de vasconcelos conde de penela (...) Hemos por bem e confirmamos e outorgamos ao dito fernam Lopez o dito privilegio cõ todas aquelas liberdades e franquesas"51.
A carta, datada de 17 de Maio de 1497, serviu a Braamcamp Freire para contrariar a tradição de que na Casa da Cavalaria nasceu DUARTE DE ALMEIDA, o DECEPADO. Mas vai mais longe, afirmando que o herói de Toro não só não nasceu na Casa da Cavalaria, como não eram seus antepassados, nem talvez parentes próximos, os Almeidas donos dela52.
De facto, se a Casa da Cavalaria entrou na posse dos Almeidas em 1497 e a batalha de Toro foi em 1476, não pode lá ter nascido o Decepado. Braamcamp inclina-se para que tenha nascido em Santarém, porque ali casou, viveu e teve propriedades.
Nada disso prova que lá tenha nascido. Também em terras de Lafões foi proprietário. D. Afonso V, para galardoar os serviços prestados por Duarte de Almeida, a quem intitula "fidalgo de minha casa e meu alferez", fez-lhe doação da sobrevivência da "terra e celeyro de moçamedes que he na comarca da Beyra e termo de sã p.º de sul", para seu filho primogénito, como o alferes a tinha de El-Rei53. Parece-nos bem significativa a posse de Moçâmedes a curta distância de Vouzela. Duarte de Almeida não aparece senhor de Moçâmedes por acaso. É que o senhorio da terra andava na posse dos Almeidas havia quase um século.
Do mesmo modo, os Almeidas senhoreavam a Quinta de Vilharigues, pouco acima de Vouzela. Sabe-se, por documentos das chancelarias reais, que, em 1476, ali vivia Afonso Lopes de Almeida, coudel de Lafões. Ainda hoje existem ruínas da Torre de Vilharigues, que faria parte da mansão dos Almeidas. E foram precisamente os Almeidas de Vilharigues que, em 1497, compraram a vizinha quinta da Cavalaria, o que torna cronologicamente impossível que, nesta quinta, haja nascido o Decepado. Mas, de modo algum, torna impossível que o herói da Toro tenha nascido em Vilharigues. Ora, como os Almeidas de Vilharigues passam a ser os Almeidas da Cavalaria e como esta propriedade, pela sua importância e situação, ganha preponderância sobre aquela, daí as confusões e o dizer-se que Duarte de Almeida nasceu na Casa da Cavalaria. A contribuir para aumentar a confusão, o facto ali ter nascido, mais tarde, outro Duarte de Almeida. Entre outros, Esteves Pereira diz que D. Manuel "deu a provedoria das Caldas a Duarte d'Almeida, o Decepado"54. Está errado. A nomeação de provedor foi em 1527 e este Duarte d'Almeida era filho daquele Fernão Lopes d'Almeida, comprador da Casa da Cavalaria. O Decepado havia morrido muitos anos antes.
Braamcamp Freire diz claramente: "Não posso dizer quem foi o pai de Duarte de Almeida". Limita-se a ensaiar hipóteses de filiação favoráveis à sua tese de nascimento em Santarém. Porém, a sua argumentação está longe de ser decisiva. A despeito da autoridade de Braamcamp, continuamos a pensar que Vouzela é a sua terra natal e Vilharigues o lugar onde nasceu.
Quanto à Casa da Cavalaria, nela foi instalado e funcionou, dirante muito tempo, o Hospital de Vouzela.
Referência especial merece também a CAPELA DE S. FREI GIL, com a sua frontaria em estilo D. João V (fig.23). Nela se conserva e venera uma relíquia constituída pelo maxilar inferior do santo vouzelense. Foi a relíquia trazida para ali, em 1626, como pode ver-se por certidão dessa data, passada pelo prior do Convento de Santarém, na qual se diz que a cedência da relíquia foi pedida pelo Dr. António de Escovar de Tavares, que era corregedor de Santarém e natural de Vouzela, "daonde tambem o era o bemaventurado Padre sam frey Gil Religioso da Ordem do nosso Glorioso Patriarcha Sam Domingos, o qual esta sepultado neste Convento daonde foi Prelado".
Muito se tem escrito sobre S. FREI GIL, misturando-se, não poucas vezes, a realidade e a lenda. Almeida Garret, Eça de Queirós, Teófilo Braga, António Correia d'Oliveira, João Grave e outros, com mais ou menos fantasia literária, mais ou menos pormenores, todos envolveram a vida do santo numa atmosfera de maravilhoso sobrenatural e romanesco, a lembrar o "Fausto", de Goethe. Em troca da sabedoria e da sua iniciação na magia negra, Gil teria vendido a alma ao diabo, num pacto que selara com o próprio sangue. Depois dos maiores desvarios, desiludido da ciência, renunciara ao mundo, amortalhando-se no seio dos frades dominicanos. Este é o lado lendário da sua vida.
Mas, para além da auréola de sobrenatural, lenda e fantasia literária que envolvem a sua figura, certo é que S. Frei Gil foi vulto notável da cultura portuguesa e mesmo europeia do século XIII. Desde catedrático da Universidade de Paris, a Provincial da Ordem Dominicana.
Outros valiosos elementos integram o património histórico da centro da Vila. Abundam em Vouzela casas nobres com os seus brasões de armas. Entre elas, algumas casas quinhentistas.
Frente à Capela do santo vouzelense, o EDIFÍCIO DO ANTIGO TRIBUNAL DA COMARCA, restaurado, onde estão instalados o Museu Municipal e o Posto de Turismo.
No ANTIGO EDIFÍCIO DOS PAÇOS DO CONCELHO está instalada a Biblioteca.
Logo abaixo, na rua de S. Frei Gil, a CASA DOS TÁVORAS, com o seu brasão picado, em consequência da perseguição pombalina àquela família.
Na Praça da República, a CASA DAS AMEIAS, a IGREJA DA MISERICÓRDIA e o PELOURINHO DA FORCA, que esteve situado na Praça Morais de Carvalho, foi depois deslocado para o Largo da Escola do Conde de Ferreira e acabou por vir parar à Praça (fig. 24).
Merecem ainda referência a FONTE DA PEPINA, que pertenceu à família dos Távoras e foi deslocada do seu lugar primitivo, devido à construção da estrada, e a FONTE DA NOGUEIRA, na margem esquerda do rio Zela, ao cabo da rua de S. Frei Gil. Numa pedra ao seu lado, ainda hoje se podem observar as armas de D. Luís (filho de D. Manuel, pai do Prior do Crato e Duque de Viseu), pelo que é também conhecida por Fonte de D. Luís.
Também pelas várias freguesias do concelho de Vouzela se encontra valioso património. Em alguns locais, sinais de povoamento que remontam a tempos muito recuados. De alguns monumentos mais não restam do que apagados vestígios. Às vezes, um simples topónimo.
Merecem especial referência:
A ANTA DE MERUJE, em Carvalhal de Vermilhas, e a ANTA DO VENTOSO, em Fornelo do Monte.
O MENIR DAS PEDRAS ALTAS e o MENIR DE ASNEIROS, ambos no Monte Lafão, freguesia de Fataunços.
O CASTRO DO ZIBREIRO, em Alcofra; o CABEÇO DO CASTRO, em Fornelo do Monte; o CRASTO, em Vilharigues; o CASTRO DO CABEÇO DO COUÇO, na freguesia de Campia. Este castro deve remontar à Idade do Bronze, cerca de mil anos antes de Cristo. Nele se podem ainda observar duas muralhas em bom estado de conservação. Escavações arqueológicas realizadas puseram a descoberto restos de três casas circulares, em pedra, e revelaram vestígios de outras casas mais antigas. Do espólio encontrado fazem parte cerâmica variada, utensílios de pedra, objectos de metal, objectos de adorno55. Foi recentemente classificado como "Imóvel de Interesse Público".
Troços de estrada e pontes da VIA ROMANA VISEU-ÁGUEDA encontram-se, ainda, com alguma frequência. Entre os mais conservados, o troço que descia de Carvalhal do Estanho, por Figueiredo das Donas, até à Ponte Pedrinha e Bandavizes, freguesia de Fataunços, e a calçada romana de Alcofra.
No adro da Igreja de Vouzela, foi encontrado um MARCO MILIÁRIO, que assinalava a Milha XVIII. Era dedicado ao imperador Tácito.
Mais tardias são as TORRES SENHORIAIS, construídas para o final da Idade Média.
A TORRE DE VILHARIGUES, de que já falámos, a propósito dos Almeidas e do Decepado de Toro. Está muito desmantelada, pois muita da sua pedra foi retirada para a construção da capela de Santo Amaro.
. A TORRE DE CAMBRA, entre os rios Couto e Alfusqueiro. Tinha três pisos. Do primeiro, em que se entrava por uma porta de arco ogival, subia-se aos outros pisos por uma escadaria.
A TORRE DE ALCOFRA, situada em Cabo de Vila, freguesia de Alcofra. É a que se encontra em melhor estado de conservação. Como as outras, tem forma quadrangular. Tem janelas, no último andar. A meia altura da Torre, uma porta em arco ogival, a que se subia por uma escada de madeira. No interior, há ainda vestígios do soalho divisório dos pisos. Esta Torre está, com toda a probabilidade, ligada ao senhorio do Couto de Alcofra, a que já as Inquiriçõs de 1258 se referem, ainda que a Torre seja de construção posterior.
A imaginação popular atribuía frequentemente aos Mouros aquilo que era antigo e cuja origem desconhecia. Assim acontecia com monumentos cuja existência, em alguns casos, antecedia milhares de anos a vinda dos Mouros. Em torno destes monumentos, foram-se tecendo variadas lendas, onde não faltavam as belas mouras encantadas, que guardariam fabulosos tesouros, em tenebrosas grutas e cavernas. A mais bela de todas é a LENDA DO TRIBUTO DAS DONZELAS, que merece ser contada.
Mauregato, filho bastardo de D. Afonso, o Católico, pretendendo usurpar o trono ao legítimo rei, seu sobrinho, teria feito uma aliança com Abd-el-Raman, Kalifa de Córdova. Em troca do auxílio das tropas do Kalifa, em 783, comprometia-se a pagar um tributo anual de 100 donzelas para os haréns mouriscos. No ano seguinte, foram escolhidas seis donzelas de Lafões, para fazerem parte do tributo. Iam elas a passar por certo lugar, escoltadas por vinte mouros e quarenta castelhanos, quando um valente fidalgo lafonense, D. Guesto Ansur, namorado de uma das donzelas, chamada Orélia, atacou a escolta. No auge da luta, partiu-se-lhe a espada. D. Guesto, rapidamente, arrancou um ramo de uma figueira próxima, continuando a batalhar e acabando por libertar as donzelas. Levou a noiva para o seu solar, casaram e, como sempre terminam estes contos, viveram muito felizes.
Em honra da façanha, D. Bermudo I, em 789, deu a D. Guesto o apelido de Figueiredo e por armas um ramo de figueira. Mais determinou que o lugar passasse a chamar-se Figueiredo das Donas, em memória das donzelas.
Mas D. Guesto, além de valente cavaleiro, era poeta e teria celebrado o facto numa poesia que é das mais antigas da nossa língua, a célebre CANÇÃO DO FIGUEIRAL FIGUEIREDO:

"No figueiral figueiredoa no figueiral entrey,
seis ninas encontrara
seis ninas encontrey,
para ellas andara
para ellas andey,
lhorando as achara
lhorando as achey,
logo lhes pescudara
logo lhes pescudey,
quem las maltratara
y a tão mala ley.
No figueiral figueiredo
a no figueiral entrei,
Vma repricara
infançon nom sey
mal ouuesse la terra
que tene o mal Rey
seu las armas vsara
y a mim sse nom sey.
Se hombre a mim leuara
de tão mala ley,
A Deos vos vayades
Garçom ca nom sey
se onde me falades
mais vos falarei
No figueiral figueiredo
a no figueiral entrei.
Eu lhe repricara
amim sse nom irey,
ca olhos dessa cara
caros los comprarei,
a las longas terras
entras vos me irey,
las compridas vias
eu las andarei,
lingoa de arauias
eu las falarei.
Mouros se me vissem
eu los matarei.
No figueiral figueiredo
a no figueiral entrey.
Mouro que las goarda
cerca lo achei,
mal la ameaçara
eu mal me anogei,
troncom desgalhara
troncom desgalhei,
todolos machucara
todolos machuquei,
as ninas furtara
las ninas furtei,
la que a mim falara
nalma la chantei.
No figueiral figueiredo
a no figueiral entrei".

Frei Bernardo de Brito diz ter encontrado esta canção num velho cancioneiro de mão, pertencente a velhos campónios da Beira. Tem sido objecto de críticas de vários especialistas, desde João Pedro Ribeiro a Carolina Michäélis. A verdade é que Guesto Ansures não aparece nos Livros de Linhagens e não consta que, alguma vez, se tenha pago o tributo das 100 donzelas. Mas não há dúvida que se trata de uma bela lenda inspirada na presença dos Mouros em terras de Lafões.
Para além do seu património histórico, possui Vouzela belezas naturais só por si bastantes para atraírem o visitante. Quem subir ao MONTE GAMARDO, ao MONTE DA SENHORA DO CASTELO, admirável miradoiro sobre todo o vale de Lafões, ou percorrer o CIRCUITO DA PENOITA, ficará deslumbrado com as belas paisagens que dali se desfrutam.
E nem sequer falta uma raridade botânica, o "RHODODENDRON BAETICUM", vulgarmente conhecido por "LOENDRO", exemplar de um tipo de vegetação do Terciário. A sua floração vai de Maio a Junho, oferecendo um espectáculo de rara beleza. Encontra-se em vários pontos do Concelho, mas, em maior profusão, junto da povoação de Cambarinho, na freguesia de Campia. Por Decreto n.º 364/71 de 25 de Agosto, foi criada a "RESERVA BOTÂNICA DE CAMBARINHO", para protecção desta espécie rara e importante pelo seu valor científico, turístico e paisagístico. A Reserva ocupa uma área de 24 ha.
Tem esta terra de Lafões uma rica tradição culinária, com destaque para a doçaria regional, onde os típicos pastéis de Vouzela ocupam lugar cimeiro.
Pode Vouzela orgulhar-se de ter sido berço de notáveis varões que marcaram lugar na história.
Falámos já de S. FREI GIL e de DUARTE DE ALMEIDA, o DECEPADO DE TORO.
Em Vouzela, nasceu também JOÃO RAMALHO, o Patriarca dos Bandeirantes, que, após a descoberta do Brasil, ali se fixou e, em meados do século XVI, subiu o planalto de Piratininga e fundou a vila de Santo André da Borda do Campo. Foi Alcaide-Mor e Vereador da Câmara Municipal desta localidade, que está na origem da cidade de S. Paulo. Desde 1953, imponente monumento levantado a este filho de Vouzela assinala o importante papel que desempenhou no povoamento do sertão brasileiro57.
PADRE SIMÃO RODRIGUES DE AZEVEDO é outro filho ilustre de Vouzela. Nascido em 1510, aos dezoito anos partiu para a Universidade de Paris, onde se relacionou com Inácio de Loiola, com o qual participou na fundação da Companhia de Jesus. Regressado a Portugal, com outro famoso jesuíta, Franciso Xavier, fundou a "Província Portuguesa da Companhia", sendo nomeado para o cargo de Provincial.